Para ganhar a mesa judaica, indústria abre seus segredos.
Fazer parte da seleta lista de produtos kosher - consumidos pela comunidade judaica ortodoxa - tornou-se um importante desafio para a indústria de alimentos, mesmo que isso signifique abrir suas portas e segredos industriais. Pepsico, Dr. Oetker, Leite Nilza, Bauducco e Garoto são algumas das empresas que já despertaram para esse nicho de mercado, que atinge também consumidores não-judeus mas extremamente exigentes.
"O selo kosher é visto como um atestado de qualidade por outras comunidades", diz o vice-presidente de vendas e marketing da Vilma Alimentos, Cezar Tavares. Entrar nesse universo, no entanto, não é nada fácil. Afinal, as empresas precisam revelar aos rabinos todos os ingredientes e fornecedores envolvidos no processo. Caso sejam aprovados, a fábrica ainda tem que receber, a cada ano, uma visita de um religioso para certificar o produto. Alimentos kosher também podem exigir mudanças no processo produtivo. Uma das normas mais rígidas estabelece que as linhas de produção sejam radicalmente higienizadas para evitar mistura com resíduos de alimentos não certificados. "Em geral, isso encarece o custo de produção e reduz a produtividade", diz José Ricardo Cicone, gerente de exportação da Garoto. A fabricante de leite Nilza, que vende leite kosher pelo dobro do preço do leite comum - cerca de R$ 3,00 o litro - teve que modificar a rotina da sua unidade em Ribeirão Preto (SP) para produzir leite com o selo. Isso porque o processamento desse produto precisa ser feito duas vezes por semana, de manhã, após a lavagem das máquinas, antes que outro leite passe pelo equipamento. Outra diferença, segundo o diretor industrial da Leite Nilza, Marcelo Nogueira, é que a fábrica precisa esperar mais tempo pela entrega do leite, ordenhado na presença de um judeu, representante do rabino. Para ter controle sobre a qualidade do leite, os religiosos também se encarregam de escolher a fazenda onde isso acontece. Antes do descarregamento, são feitas orações por cerca de meia hora. O leite deve ficar no máximo quatro horas estocado antes do processamento, enquanto o leite comum pode esperar até 48 horas pelo procedimento. Segundo Nogueira, a empresa produz cerca de 50 mil litros de leite kosher por mês, o que representa menos de 1% do volume total da companhia. A mineira Vilma Alimentos aproveitou que só havia um achocolatado em pó produzido no Brasil com o selo, o Toddy, para entrar no negócio. A empresa obteve a certificação para achocolatados e macarrão em agosto do ano passado. Os produtos estão sendo vendidos inicialmente em Brasília e São Paulo e já existem planos de exportar para Israel, segundo o vice-presidente de vendas e marketing, Cezar Tavares. Ele estima que as vendas da Vilma Alimentos aumentarão em 1,2 mil toneladas somente com produtos kosher, o que representa um avanço, ainda que modesto (0,5%), nas vendas. "Passamos a ver este aspecto religioso como uma boa oportunidade de mercado", diz Tavares. Segundo ele, nos Estados Unidos metade da produção kosher é consumida por não-judeus. Só na América Latina, segundo ele, a comunidade judaica é composta por mais de 450 mil pessoas. A Vilma Alimentos está tentando certificar outros produtos, mas, por enquanto, enfrenta algumas dificuldades para obter o selo para sopas e refrescos. Um dos entraves é que a sopa leva aroma de carne, e todos os ingredientes de origem animal sofrem mais restrições. O refresco sabor de laranja também não conseguiu aprovação. Mas, neste caso, a razão foi diferente: o fornecedor do aroma de laranja não autorizou a vistoria dos rabinos em sua fábrica. "Muitas empresas, principalmente as maiores, se negam a revelar seus segredos industriais", diz Tavares. A Pepsico - que tem o certificado para salgadinhos Elma Chips, para o atum Coqueiro e para Toddy - vê também muçulmanos, adventistas do sétimo dia, vegetarianos e pessoas com intolerância à lactose como potenciais consumidores kosker. Devido à oferta reduzida de sobremesas e guloseimas nacionais com selo kosher, a Dr. Oetker decidiu certificar seus produtos, como flans e pudins, atendendo a pedidos da própria comunidade, segundo a gerente de garantia de qualidade Andréia Venson. Ela prevê que até metade da linha receberá o selo nos próximos meses. Ao contrário da Dr. Oetker, a Garoto e a Bauducco não têm planos de estender a certificação para uma linha muito grande de mercadorias. Ambas estão focadas no consumidor internacional, que está disposto a pagar por um produto mais elaborado. Certificada pelo Kof-K - rabinato de Nova York, com delegados no Brasil -, a Garoto concentrou-se em fabricar grandes barras de chocolates (com 2,5Kg e 5Kg), utilizadas para fazer as "gotinhas" que vão nos tradicionais cookies americanos. "Vendemos 3,5 mil toneladas por ano para os EUA", diz Cicone. O executivo acredita no potencial desse mercado, mas observa que há algumas linhas que não compensam fazer "kosherizados", porque não há escala e é impossível repassar todos os altos custos de produção. "Se pararmos uma linha de bombom apenas para higienizá-la segundo os padrões kosher, deixaremos de produzir 3,5 milhões de unidades em apenas um dia". A Bauducco, que tem certificadas as linhas de torradas e waffer, também focou-se no mercado americano, para quem só fabrica por encomenda, segundo Claudio Fontes, diretor comercial. Em alguns casos, a produção não precisa de adaptações para receber o selo. Este foi o caso da fabricante de açúcar orgânico Native, que recebeu o selo kosher há seis anos. De acordo com o gerente comercial Hélio Silva, as vendas desse tipo de produto estão concentradas em lojas de alto padrão, como Casa Santa Luzia, o Emporium São Paulo e o Pão de Açúcar. |
Para ganhar a mesa judaica
terça-feira, outubro 31, 2006
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