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Entrevista com Pilar Rahola - Deve ser lida



A esquerda européia é antiisraelense"


Polêmica e contundente, a jornalista espanhola Pilar Rahola não é de rodeios. Observa que os intelectuais europeus são contra o Estado de Israel, que vêem com indulgência o terrorismo islâmico e que ainda não aceitaram, salvo exceções, a culpa pelo horror do Holocausto.
Jornalista, escritora, correspondente de guerra, doutora em Filologia Hispânica e Catalã, ex-deputada pela Izquierda Republicana Catalana no Parlamento espanhol, e ex-vice-prefeita de Barcelona, Pilar Rahola (1958) é uma das vozes mais potentes do jornalismo espanhol.
Especialista em terrorismo e o conflito do Oriente Médio, Rahola acusa a imprensa e a esquerda européia de ser anti-semita, de criminalizar o Estado de Israel, e de fazer análises simplistas e maniqueístas de um conflito extremamente complexo.

Lutadora incansável dos direitos das mulheres e das crianças, "republicana num país monárquico, feminista num país machista e antitaurina no país dos touros", Rahola tem um programa diário de televisão, escreve colunas semanais para três diários espanhóis — entre eles El País — e é convidada freqüente como conferencista em foros de todo o mundo.

A senhora vem de uma família católica, por que abraçou a causa judaica?
Eu não abracei a causa judaica, abracei a causa do anti-semitismo, que não é a mesma. Sou de uma família católica e liberal, mas educada no ódio ao anti-semitismo. Minha educação pessoal se produz sob uma ditadura, mas em uma sala de jantar de uma casa que não é ditatorial, porém libertária, aonde existiam os direitos da mulher num país machista, existia o desprezo pelo fascismo num país que abraçava a ideologia fascista, e existia a memória do Holocausto em um país que nunca soube que o Holocausto existiu. Eu ouvi falar dos judeus vinte anos antes de conhecer um. No entanto, na sala de jantar de minha casa a dor dos judeus e a perseguição de dois mil anos faziam parte dos valores fundamentais. De maneira que isso faz parte de mim mesma e de alguma forma vai-se convertendo no que Flaubert chamava a "educação fundamental". Além disso, eu venho da herança da Carta dos Direitos Fundamentais, da herança das idéias positivas do século vinte e quero que esse mundo do Direito seja o mundo que prevaleça. O anti-semitismo é o processo intolerante que conseguiu criar o mecanismo de morte mais importante do mundo, assim que um anti-semita é meu inimigo.

Por que crê que o anti-semitismo esteja se estendendo e fortalecendo na Europa depois do horror da Shoá?
A Europa tem uma fantástica e muito mal trabalhada memória, e nunca assumiu suas culpas. A Europa é o continente que criou o colonialismo, que criou o nazismo e que permitiu setenta anos de stalinismo. Porém, a culpa sempre é dos Estados Unidos. Se eu fosse norte-americana é certo que meu primeiro problema seria Bush; mas se sou européia, é meu segundo problema, porque meu primeiro problema é um continente que viveu em ditaduras terríveis durante muitíssimo tempo sem problemas, que quando teve um desafio sério ideológico não o combateu adequadamente, que se deixou mover por interesses econômicos, que criou uma indústria de extermínio que matou dois terços da população judaica e, no entanto, sempre consegue que os norte-americanos sempre tenham a culpa. Então, se não temos culpa por nós mesmos, por que tê-la pelo Holocausto? Quem assumiu sua culpa? Só a Alemanha. O único país europeu que aceitou sua culpa e educou as suas gerações nessa culpa, e que trabalhou a memória é a Alemanha.

A senhora é uma especialista no conflito árabe-israelense. Por que sustenta que há uma distorção informativa e uma criminalização do Estado de Israel?
É que quando você começa a conhecer muito um conflito e viaja muito à área, tem um alto nível de informação, tem um nível de compromisso alto e lê que a imprensa de teu país é profundamente antiisraelense, que criminaliza seu direito à defesa, que converte Sharon no pior criminoso da história recente — sem nenhum tipo de equilíbrio, com um cuidado de bons e maus, de vítimas e verdugos — que minimiza o terrorismo e o converte em resistência, em milícia e num certo heroísmo, então, quando todo isto ocorre, toma partido. Acontece que no mundo há muitos elementos que temos que julgar de forma crítica, mas só analisamos de forma crítica os que nos dizem respeito diretamente. No mundo do jornalismo, no mundo intelectual e no mundo da universidade nossa obsessão permanente é o que fazem bem ou mal os norte-americanos; o que fazem bem ou mal os israelenses, e inclusive o que fazem bem ou mal as democracias. Contudo, não analisamos em termos igualmente críticos o que está acontecendo em muitas ditaduras, o que está ocorrendo com a ideologia totalitária que está subjugando o direito a viver democraticamente de muitos povos, e o que está sucedendo com um fenômeno globalizado que acaba levando alguém a converter-se em um louco suicida. Tudo isto não encontro nos meios nos quais estou inclusive nos que escrevo.

De fato, a senhora costuma acusar a esquerda e o jornalismo de fomentar o anti-semitismo e apoiar abertamente a causa palestina.
Sim, eu acuso a esquerda de ter uma visão maniqueísta sobre um conflito muito complexo. É una visão que não é crítica de um governo, porém é diretamente antiisraelense, anti-sionista e inconscientemente inclusive crê que o faz por solidariedade, acaba sendo anti-semita. Hoje o mundo da opinião e não só o da imprensa, não está equilibrado e não assume sua responsabilidade ainda que sobre um fenômeno muito preocupante: quando o terror mata em Atocha, é terrorismo; quando mata em Londres, é terrorismo; mas quando mata no Iraque, é resistência; e quando mata na Palestina, é resistência. Uma coisa é a causa palestina, e seu presidente e sua autoridade nacional, e outra muito distinta é uma organização como o Hamas que quer criar uma república islâmica do Mediterrâneo até a Indonésia, que se baseia nos fundamentos da Fraternidade Muçulmana do Egito, que não crê num Estado palestino e que quer destruir Israel. Não é o mesmo. E na ótica jornalística está tudo misturado. Então eu me pergunto se não estamos por inibição, por indiferença, inclusive por paternalismo, dando oxigênio do jornalismo a toda esta loucura.

Parece então que se tolera mais o anti-semitismo de esquerda que o de direita. Por que acredita que tenha mais legitimidade o anti-semitismo de esquerda?
É certo, o anti-semitismo das direitas não se tolera. Hoje em dia um militante de extrema direita que se levante numa tribuna, numa universidade, ou num periódico será expulso da sala, não vai influenciar ninguém e não terá uma tribuna. Mas a um prêmio Nobel de Literatura, perfeitamente instalado no prestígio e no mundo da inteligência, considerado, portanto, alguém com uma visão crítica e solidária no mundo, meu panificador ou meu mecânico de automóveis vai crer. Hoje, o anti-semitismo na Europa, e temo que em muitas outras partes, é das esquerdas, é de prestígio, é intelectual, se move nas tribunas da inteligência, é inconsciente e crê que é solidário. Você não pode dizer a um intelectual de esquerda que é anti-semita porque vai negá-lo, porém, te falará do lobby judaico que domina Wall Street, e outras coisas, e reduzirá ao puro simplismo a complexidade, e converterá em um mártir um suicida que mata trinta pessoas num restaurante.

Por que acredita que acontece isto?
Isto tem a ver com o anti-semitismo, com a culpa européia que se desvaloriza se Israel é mais malvado, tem a ver com uma certa dose de antiocidentalismo que tradicionalmente teve a esquerda, tem a ver também com o antiamericanismo feroz da esquerda mundial, e tem a ver com a falta de épicos próprios, porque ficamos sem Che Guevara e colocamos a boina em Arafat, que com uma biografia violenta, corrupta, e absolutamente manchada de sangue, foi convertido em herói. Como pode ser que nunca se condenou Arafat pela quantidade enorme de povoados cristãos libaneses que destruiu e que arrasou completamente até o ponto que se produziram matanças pelo ódio acumulado?

Mas nem todas as críticas à política de Israel são necessariamente anti-semitas.
As críticas às ações de Israel são legítimas, e a mim não só não me preocupam, senão que posso participar delas. Eu, por exemplo, sou contra os assassinatos seletivos porque sou contra a pena de morte; e creio que é correto e não só correto, mas urgente ter-se saído de Gaza apesar do drama importante que significou para alguns colonos que foram enviados para lá com um discurso político determinado por parte de Israel, e estiveram lá trinta anos com suas mortes e sacrifícios. Ainda que existam imagens do colono que resiste, a evacuação foi extraordinária e oitenta por cento se foi pacificamente. Tudo bem que a imprensa do mundo, e em especial a minha, diga que "Sharon é um líder da direita dura" a mim isso não me preocupa nada, e creio que faz parte do pensamento crítico também a crítica ao governo de Israel. O que me preocupa é que isto se converta no único fenômeno crítico com respeito ao conflito. Ou seja, eu não li análises sérias da enorme corrupção do governo palestino, não li o que aconteceu com os bilhões de dólares que caem nessa área do mundo e por que em Gaza continua havendo fome. Na vi nenhuma crítica à alimentação da intolerância e da violência. Não consegui que se fizessem análises das escolas do ódio. Eu não vejo estas coisas, então tenho que chegar à conclusão que a análise crítica contra Israel se transforma numa criminalização, numa distorção informativa e numa falsidade. Portanto, já não estamos seguindo o código deontológico do jornalismo, estamos fazendo ideologia no lugar de fazer informação.

O desmantelamento das colônias foi feito de maneira unilateral e não de comum acordo. Qual é sua opinião sobre a maneira na qual se levou a cabo?
O reconhecimento de que foi feito um gesto unilateral é importante porque de fato não se cumpriu nada do Mapa da Estrada. Os palestinos não deram nada para encaminhar um processo de paz e, portanto, o que temos é um governo que apesar de ser da direita e de ser duro diz: "vamos apostar nesse caminho". Não é Arafat, que sempre foi um obstáculo para a paz. A retirada de Gaza não foi o primeiro gesto, o primeiro gesto foi a libertação de centenas de presos nos cárceres israelenses que tinham delitos de sangue, alguns deles, e que também foram libertados sem nada. Agora se foram de Gaza sem nada e a mim me parece bem. Creio que Israel, que é um país democrático, inserido no concerto das nações, quer demonstrar que está a favor da paz e tinha que fazer um gesto unilateral. Agora, eu queria ver a mesma pressão internacional contra Sharon, sobre as costas de Mahmoud Abbas para que o Hamas desapareça como organização terrorista, desapareçam os campos nos quais as crianças desde os oito anos aprendem a amar a morte e onde se preparam suicidas para que atuem dentro de dez anos... Porque os que hoje atuam contra de Israel, se prepararam muito antes de Sharon. Os que mataram em Nova York se prepararam antes dos Acordos de Oslo; os que mataram em Atocha se prepararam muito antes que a guerra do Iraque. E eu não vejo pressão diplomática contra algumas ditaduras e contra os grupos terroristas. Produziu-se uma espécie de guarda-chuva cúmplice de muitas ditaduras teocráticas que se legitimam através da ONU. No me serve a imprensa porque não equilibra, não pressiona e tomou um partido que para mim é perverso; e não me serve o mundo intelectual, de esquerdas, que ainda não me disse nada da escravidão de milhões de mulheres no mundo islâmico, e não me disse nada de que não tem escrúpulos em matar milhões de pessoas indiscriminadamente.

Então para a senhora não se trataria de um choque de civilizações ou de religiões, mas uma luta entre democracias e totalitarismos.

Sim, o choque de civilizações como conceito abstrato ou as teses de Oriana Fallaci como a guerra dá-se entre religiões, para mim parecem perversas. Eu respeito a Oriana que é uma mulher com uma biografia envolvida, mas creio que sua visão hoje em dia está muito destorcida e, além disso, é islamófoba e eu não participo desse conceito. Do meu ponto de vista não se trata de religiões do mundo chocando-se entre si. O problema não é uma garota de minha idade que faça o Ramadan e reze à sua divindade na Malásia, porque faz parte da pluralidade do mundo. O problema é o governo da Malásia que a obriga a ser escrava, com uma ideologia que lhe diz que não tem direitos e que diz a seu filho que pode ser um suicida. Isto tem a ver com um olhar até o passado e não até o futuro por parte do mundo islâmico, e que tem a ver com os petrodólares que converteram os líderes tribais profusamente fanáticos em presidentes de governo, e que conseguiram que todos esses loucos tivessem celulares conectados via satélite à Idade Média. Matam-te em Atocha via satélite, mas quem te mata, pensa na Idade Média. E esta é uma loucura que precisamos denunciar.

Acredita que algum dia, depois de tanto sangue derramado, finalmente se chegará ao processo de paz entre palestinos e Israel?
Creio que é absolutamente impossível conseguir a paz no Oriente Médio senão resolvermos o conflito com o totalitarismo islâmico. Gaza já não está. Suponhamos que Mahmoud Abbas queira fazer também parte desse processo. O Irã irá permitir isso? A Síria o permitirá? O permitirão todo o discurso anti-semita e descomplexado que existe em todo o mundo islâmico? Ou permitirão isso os grupos terroristas que estão utilizando a causa palestina? A causa palestina é uma desculpa. Os grupos islâmicos que atuam nela utilizam a causa palestina, mas não crêem nela, portanto, a mantêm seqüestrada. Creio que dos conflitos que temos no mundo, a imensa maioria tem base islâmica e não se pode resolvê-los individualmente, senão resolvermos o grosso, ou em outras palavras, que um bilhão e trezentas milhões de pessoas caminhem até um fundamento democrático. Se não conseguirmos acabar com a impunidade de algumas oligarquias totalitárias nessa área, se não conseguirmos desvirtuar profundamente a ideologia que acaba nos matando, se não fizermos uma guerra sobre isso, não iremos retirar a tensão da área. Ainda que Mahmoud Abbas hoje queira sentar-se para falar com Sharon e todos nos ponhamos a fazer a paz lá, nem Mahmoud Abbas manda no mundo palestino, nem o palestino manda em seu próprio mundo. E eu não vejo o mundo árabe hoje em dia disposto a dizer "esta causa já a temos resolvida e não alimenta nosso heroísmo".

Então, quais ferramentas ou estratégias teríamos que empregar para alcançar isto?

Pergunto-me porque algumas coisas ainda não foram feitas. Se és um país que sofreu um atentado que te matou quatro mil pessoas, queres colocar em evidência que há um terrorismo internacional que atua de forma impune, e que em alguns países cavalga livremente, põe em evidência aos organismos que não estão à altura dessa situação: há que deixar a ONU ou pressioná-la. O mundo foi capaz de pressionar até o mais absoluto paroxismo a África do Sul porque era um país racista. Entretanto, não pressionamos a Síria, que é um país terrorista; ou o Irã, que teve implicações com o atentado da AMIA. Ou seja, eu creio que no campo da diplomacia e da política ainda, tudo está por fazer, mas não incomodamos a Arábia Saudita e não incomodamos os sírios para não desestabilizar-nos. Ouçam os senhores, olhemos o panorama de perto e comecemos a reagir... porque nos convertemos em cúmplices.

Entrevista a Astrid Pikielny, Revista Debate, de Buenos Aires, Argentina. Tradução: Szyja Lorber


 

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