Joachim Thielke nasceu na Lapa, mas foi convocado para lutar pela Alemanha na 2ª Guerra Mundial. Ele nega, porém, ter adotado a ideologia nazista
Existe um período da vida do serralheiro artístico Joachim Thielke de que ele prefere não se lembrar. Esse senhor de 83 anos, cabelos brancos e olhos azuis, carrega debaixo da pele, em forma de estilhaços de bombas e granadas, as marcas adquiridas na Segunda Guerra Mundial, na qual lutou como tenente do Exército alemão. Seria uma biografia comum, se ele não tivesse nascido na Lapa, Zona Oeste de São Paulo.
"Nasci no dia 4 de outubro de 1922 e vivi no Brasil até 1938. Eu era um garoto como qualquer outro: estudava na Avenida Paulista e jogava futebol com os amigos em campos de terra batida", lembra Thielke, que hoje vive nos fundos de uma casa que aluga para terceiros, em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Ao completar 15 anos, o adolescente Thielke foi colocado pelos próprios pais em um navio. Destino: Leipzig, na Alemanha. "Eles queriam que eu aprendesse o ofício de serralheiro. Era uma espécie de estágio promovido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de lá", conta. Aos 18 anos, com a Segunda Guerra Mundial já em curso (1941), Thielke, que tinha dupla nacionalidade, foi convocado.
O que passou nas trincheiras dos cinco países por onde perambulou até chegar à Rússia, ele resume numa frase: "Virei um animal". Ao entrar em Stalingrado (hoje Volgogrado), em 1945, perseguido pelos cossacos, o brasileiro perdeu a guerra. "Fomos vencidos pelo frio. Recuamos, mas já era tarde." Preso, foi encaminhado para o campo de trabalhos forçados de Vladivostok, na Sibéria, de onde só saiu sete anos depois, fraco e tuberculoso.
'Soldado não é político'
O serralheiro nega ter-se deixado envolver pela ideologia de Adolf Hitler. "Soldado é uma coisa, política é outra!", frisa, num português carregado. Dos campos de concentração e guetos salpicados pela Europa, ele não se recorda: "Nunca vi nada disso". Das atrocidades cometidas pelo regime nazista, também não. "Fui ouvir falar dessas matanças na Sibéria. Conheci um sobrevivente no Brasil. Era meu ex-chefe, um judeu, que me mostrou o número marcado com ferro em brasa em seu braço. Ele gostava de mim..."
Passados 60 anos, o nazismo segue um tema controverso para o ex-tenente. "Sempre me pergunto: será que Hitler queria mesmo o mal da humanidade ou eram os que estavam à sua volta, como Heinrich Himmler (o chefe da SS) ou Joseph Goebbels (chefe da propaganda)? Eles faziam várias coisas que Hitler não sabia. O Führer levantou a Alemanha quando chegou ao poder, em 1933. Fez as primeiras rodovias e tirou milhares de desempregados das ruas", diz o velho serralheiro, entre um cigarro e outro.
Thielke deveria ficar 25 anos na Sibéria, mas, graças à Cruz Vermelha Internacional, foi libertado antes. Ao voltar para a Alemanha, reencontrou a primeira mulher, Ursula, casada com outro homem. A filha dos dois, Steffie, está na Alemanha.
Afastado das armas e do cheiro de morte, o velho serralheiro hoje descansa cuidando dos pássaros e da horta. Vez por outra, também vai à oficina particular praticar o ofício que mudou a sua história.