Discurso do papa em Auschwitz foi comovente, mas incompleto
Por Tom Heneghan
VARSÓVIA (Reuters) - O discurso do papa Bento 16 em Auschwitz foi o mais introspectivo e emocionante de seu pontificado, mas, para alguns, o líder católico não disse tudo o que deveria.
No domingo, concluindo uma viagem de quatro dias à Polônia, o pontífice de 79 anos apresentou uma reflexão sobre o quão difícil era para um alemão visitar o ex-campo de extermínio nazista e sobre como era complicado, para uma pessoa que acredita em Deus, encarar o mal praticado ali.
A corajosa decisão dele de fazer, no famoso campo de extermínio, a pergunta que levou milhões de pessoas a perder a fé depois do Holocausto ganhou as manchetes de muitos jornais da Europa.
"Deus, por que o Senhor ficou em silêncio?", perguntou o papa segundo o jornal La Repubblica, em referência ao assassinato de cerca de 1,5 milhão de pessoas, a maior parte delas judeus, no campo de Auschwitz.
O diário alemão Berliner Zeitung escolheu outra das perguntas apresentadas pelo pontífice: "Onde estava Deus?".
Mas um número equivalente de comentaristas preferiu concentrar-se no que Bento 16 não disse sobre o anti-semitismo católico e a atuação do Vaticano durante o Holocausto.
Alguns o criticaram por não mencionar claramente o anti-semitismo e outros por afirmar que a Alemanha havia sido dominada por criminosos nos anos 1930, como se Adolf Hitler não tivesse qualquer apoio popular.
John Wilkins, ex-editor da revista católica britânica The Tablet, elogiou o papa por seu discurso, mas disse que havia notado a ausência de assuntos delicados, como o tradicional anti-semitismo católico.
OPORTUNIDADE PERDIDA
"Esse foi um discurso maravilhoso, mas acho que algumas oportunidades não foram aproveitadas", afirmou à Reuters. "Algo poderia ter sido dito a respeito de como tantos cristãos não agiram na época".
"Simbolicamente é importante que o papa Bento 16 tenha visitado Auschwitz, mas eu esperava um discurso diferente", afirmou ao jornal italiano La Stampa Abraham Foxman, da Liga Antidifamação, observando que o pontífice não condenou expressamente o anti-semitismo.
Comentaristas também se perguntaram sobre o papel do Vaticano durante o Holocausto. O papa Pio 12, líder da Igreja Católica à época, não veio a público condenar a opressão nazista contra os judeus.
Um ponto polêmico é o fato de o Vaticano não ter aberto a historiadores seus registros da época da guerra. Os pesquisadores desejam saber o que Pio 12 sabia, quando tomou conhecimento disso e o que discutiu com seus assessores.
"Apesar de o papa ter deixado claro em Auschwitz que não desejava fechar o livro a respeito do passado, o Vaticano continua sem abrir seus arquivos", disse o jornal holandês Algemeen Dablad.
O diário católico La Croix, da França, afirmou que dar destaque ao que não foi dito pelo papa é uma atitude que corre o risco de "ignorar a grande profundidade do que ele afirmou" sobre a ausência de Deus e o silêncio diante de tal maldade.
"Leal a seu ofício de professor, Bento 16 fez a pergunta que todos -- acreditem ou não -- fazem".
Na Polônia, onde os meios de comunicação trouxeram algumas críticas em meio a uma cobertura predominantemente positiva a respeito da visita, vários comentaristas deram destaque a aspectos mais sutis que os destacados em outros países.
"O discurso do papa e a visita pareceram-me bastante judaicos", afirmou Stanislaw Krajewski, do Conselho Polonês de Cristãos e Judeus. "O papa citou os Salmos, que são parte da tradição judaica, e isso cria uma ligação".
"Foi emocionante quando ele disse claramente que os nazistas, ao assassinarem a nação judaica, visavam assassinar Deus", disse.
"Relacionar as raízes cristãs com o judaísmo é um forte argumento contra o anti-semitismo", afirmou o sociólogo Jadwiga Staniszkis. "Acho que esse discurso deveria ser lido".
Discurso do papa em Auschwitz foi comovente, mas incompleto
terça-feira, maio 30, 2006
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