O Que Você Sabe Sobre Sabra e Chatila?
Em setembro de 1970, quando a OLP, tentou destruir o regime hachemita da Jordânia, o rei Hussein em represália matou milhares de palestinos e expulsou de seu território, Arafat e seus seguidores, o que ficou conhecido como SETEMBRO NEGRO.Os grupos armados palestinos refugiaram-se em território libanês de onde, para continuar com seus ataques a Israel, estabeleceram lentamente um mini-Estado próprio que gerou tensões étnicas.A população cristã do Líbano ressentia-se da presença palestina que punha em perigo a frágil união entre as diversas comunidades desse país e ameaçava obriga-la a deixar de ser a última democracia do mundo árabe para se transformar em mais uma ditadura árabe totalitária e intolerante.A metamorfose necessitou de uma década. Em seu livro, " A guerra terrorista da Síria contra o Líbano e o processo de paz" (2003), Marius Deeb relata minuciosamente como entre 1974 a 2000, o regime dos Assad na Síria engoliu seu pequeno vizinho (cabe declarar que o domínio dessa família sobre a Síria remonta a 1969).Cronologia:A primeira de uma grande série de massacres de cristãos foi realizada no Monastério de Deir Ayach, em 3 de setembro de 1975, onde palestinos assassinaram três monges: Boutros Sassine, Antoine Tamini e Hanna Maksoud.O mundo não protestou. Os aldeões cristãos que viviam nas proximidades fugiram e os agressores destruíram o vilarejo. Os palestinos liderados por George Habash e Nayef Hawatmech atacaram assim mesmo a localidade de Beit Mellat e assassinaram os aldeões que caíram suas mãos.O ano seguinte foi crítico. Em 15 de janeiro de 1976, os palestinos arrasaram Kab Elias, uma aldeia mista (cristãos e mulçumanos) no vale de Bekaa. Depois de dez dias, 16 cristãos foram executados e 23 feridos.Os cristãos iniciaram seu êxodo a Zahlé, Beirute oriental e Jounieh. E em pelo menos mais duas cidades, Damour e Jieh, as quadrilhas palestinas cortaram os dedos de meninos cristãos para se assegurarem de que não poderiam disparar armas. As igrejas de Damour foram profanadas e 300 habitantes foram massacrados. Não houve protestos.Em 19 de janeiro, as aldeias de Hoche Barada foram totalmente demolidas. Outro grupo formado por palestinos, o “Exército do Líbano Árabe”, destruiu a cidade de Aintours. Três líderes do grupo receberam a missão explícita de levar a cabo massacres que submeteriam os cristãos libaneses ao Estado em formação de Arafat.Samir Abou Zahr, liderou o massacre em Emir Bechir (onde as vítimas foram assassinadas enquanto dormiam), Mostapha Sleiman arrasou a cidade de Chaca, e Oiin Hatoum atacou os quartéis de Khyam matando mais de 30 soldados libaneses.Os cristãos solicitaram auxílio de um mundo que permanecia silencioso.E o vizinho do norte, que sempre havia descrito o Líbano como sua “natural zona de influência”, se deliciava em ouvir esse silêncio. As tensões étnicas estenderam-se aos drusos, que solidários com a OLP, começaram a hostilizar os cristãos. Estes pediram um cessar fogo, porém o líder druso Kemal Jumblatt não aceitou.Com a desculpa de uma resposta a esta negativa, em 31 de maio de 1976, a Síria invadiu o Líbano utilizando a curiosa explicação de que sua presença protegeria a minoria cristã da crescente hostilidade islâmica.Uma vez que o exército de dezenas de milhares de soldados sírios se fez forte no país, lançou-se a operação inversa da anunciada.Nos bombardeios subseqüentes, mais de 500 civis cristãos foram assassinados.No ano seguinte, os sírios mataram Kamel Jumblatt (16 de março de 1977) e enviaram grupos guerrilheiros para subjulgar as aldeias cristãs, nas quais mais de 1000 moradores foram assassinados. Somente em Deir Dourit, devastada por completo, morreram 273 moradores.Nenhuma palavra de queixa no mundo inteiro. O ano de 1978 foi o ano da apropriação Síria do país, e com o tempo passando, o Líbano independente acabava por morrer assassinado. Sami Khatib, instalado pelo governo sírio como agente de segurança, foi diretamente responsável pela detenção, tortura e desaparecimento de milhares de libaneses opostos á invasão.Nem uma condenação, lamento ou queixa de nada. No dia 27 de junho de 1978 um esquadrão sírio conduzido por Ali Dib arrastou 20 jovens de suas camas nas aldeias de Kaa e Rãs-Baalbeck e fuzilo-os sem julgamento e nenhuma acusação. O objetivo era o controle total de uma comunidade em que persistia o hábito anti-sírio da liberdade.Nem a imprensa, nem os organismos de direitos humanos, nem nenhum país condenaram seriamente o episódio!Em 1º de julho, a milícia privada de Riffat Assad, irmão do presidente sírio, sitiou as zonas que permaneciam livres nos subúrbios de Beirute e as fez bombardear durante cinco dias e cinco noites, com canhões e morteiros, deixando um saldo de mais de 60 civis mortos e 300 feridos. Nada.Em agosto de 1979, os sírios e palestinos destruíram as aldeias Niha, Deir Bella, e uma no norte. Nenhuma palavra de ninguém. Os sírios e os palestinos já haviam se imposto no país. Entre 1980 e 1981 as brutalidades sírio-palestinas estenderam-se para acabar com todo o foco potencial de resistência. Em 24 de fevereiro de 1980, o diretor da revista Hawadess, Selim Laouzi, foi seqüestrado pelos sírios ao caminho do aeroporto, torturado e assassinado e seu corpo mutilado foi achado no bosque de Aramoum.Nada!Em 23 de julho de 1980, Riad Taha, presidente da imprensa, foi assassinado em Raouché.Em março de 1981, a cidade cristã de Zahlé foi bombardeada e a monja Marie Sophie Zoghbi assassinada enquanto tentava socorrer as vítimas.Dois mil cristãos morreram nos bombardeios que se seguiram em Beirut do leste, debaixo do comando do palestino Ahmad Ismail. Não houve reação!Poderia-se pensar que a falta de resistência do Ocidente devia-se a que a agressão Síria não o afetava. Erro grosseiro. A negligência continuou quando o ataque os afetou diretamente. Em 4 de setembro de 1981, o embaixador francês no Líbano, Louis delamarre, foi assassinado pelos sírios.A França apenas se lembrou de convocar Paris para consultas a seu embaixador na Síria. Nisso os franceses foram mais rigorosos que os espanhóis. Quando em março de 1989 as tropas sírias assassinaram o embaixador espanhol, Pedro Manuel de Aristegui, junto com seu sogro e cunhada, a Espanha nem sequer consultou ninguém!Porém, sigamos com o relato...Em fevereiro de 1982, a Irmandade Mulçumana desatou uma rebelião islâmica contra o regime de Damasco, na cidade Síria de Hama. Sem nenhuma vacilação, o exército de Assad isolou a cidade, começou seu bombardeio generalizado a toda a população, muçulmanos e cristão, sem discriminação. Foram massacradas vinte a trinta mil pessoas. Nada de nada. Não há condenações. Ninguém se comovia, ninguém protestava! Em 24 de maio, os sírios atacaram a embaixada francesa no Líbano e assassinaram a sua secretária de assuntos comerciais, Anna Comidis e mais dez pessoas. Creia-se ou não, Nada.Em 6 de junho de 1982, Israel invadiu o Líbano desde o sul. Os aldeões receberam os tanques hebreus como libertadores. Os cinegrafistas não podiam acreditar no que filmavam quando cristãos libaneses de todas as idades saíam de suas casas para oferecer flores e alimentos aos soldados israelenses. Não somos ingênuos: não havia amor mútuo, senão interesse em comum. A população cristã acreditou que se poria um ponto final á tirania terrorista sírio-palestina no Líbano. E Israel havia empreendido no que deu em chamar-se Operação Paz para a Galiléia em resposta á morteiros e infiltrações dos terroristas palestinos, que já tinham instalado no Líbano um poderoso exército. Num desses atentados (março de 1978) os guerrilheiros que haviam penetrado desde o Líbano, seqüestraram dentro de Israel um ônibus civil, e mantiveram como reféns 34 passageiros que no final foram assassinados.Israel invadiu o Líbano a fim de terminar com a agressão que desde ali se exercia, objetivo que eventualmente conseguiu por meio de expulsar Arafat e sua OLP ( que encontram refúgio na longínqua Túnisia).Em agosto de 1982, graças ao clima de menor dependência da Síria que se sentia desde a invasão israelense, o parlamento libanês elegeu presidente do país o chefe da Falange cristã, Bashir Gemayel. Para os sírios esta ousadia era um excesso, sobretudo porque se sabia que Gemayel cooperava com Israel na recuperação da independência do país. Duas semanas depois, em 14 de setembro, no quartel da falange em Chrafieh, Gemayel foi assassinado por uma carga de explosivos colocada por Habid Chartouni, que pertencia desde 1977 ao partido pró-sírio comandado por Assad Hardane. Os explosivos haviam sido fornecidos pelo chefe da inteligência Síria, Ali Douba. Além do presidente, 26 pessoas morreram no ataque. Os sírios consideraram Chartouni um herói. Os cristãos, não precisamente. O chefe da segurança da Falange, Elie Hobeika, decidiu vingar a morte do presidente, nos acampamentos palestinos de Sabra e Chatila.Em 16 de setembro de 1982, cem falangistas penetraram nos campos e mataram várias centenas de civis (as estimativas variam de 300 a 500 pessoas). Os israelenses, em cuja zona de segurança se achavam os acampamentos, ingressaram nos mesmos para deter o massacre quando já era tarde demais.De todos os nomes de aldeias destruídas que incluí nesta crônica, não me cabe a menor dúvida de que os únicos que resultaram conhecidos ao leitor são os de Sabra e Chatila.E ainda que Hobeika nunca se arrependeu da matança, ainda que os falangistas viram-na sempre como um ato de aceitável vingança, nem este nem aquele jamais foram reprovados pelo mundo. Dez anos de guerra no Líbano e o genocídio da ocupação Síria, reduziram-se na consciência da Europa, a Sabra e Chatila. A esses nomes dedicaram-se filmes cinematográficos e livros, manifestações e condenações. Somente a esse evento da guerra no Líbano, lhe dedicou Alberto Cortez, uma canção de seu repertório, e Jean Genêt em 1982, um tétrico documentário! “Quatro horas em Chatila”. Goste o mundo ou não, Israel e o Líbano firmaram um tratado de paz em 17 de maio de 1983. Tratado que em pouco tempo, a Síria exigiu sua unilateral anulação. Nenhum meio de difusão voltou a mencionar jamais esse tratado, que não gozou da aprovação internacional.As matanças entre libaneses não se detiveram.Em setembro de 1983, mais de 100 aldeias na região de Chouf foram limpas etnicamente de cristãos por tropas drusas. Em maio de 1985, terroristas mulçumanos atacaram novamente o campo de refugiados de... Chatila! De acordo com os dados oficiais das Nações Unidas (ONU), assassinaram 635 pessoas e deixaram mais de 2500 feridos. Ninguém se queixou! Alberto Gomes não cantou e a ONU não se reuniu para condenar. Tampouco quando em outubro de 1990 as tropas sírias mataram em oito horas mais 700 cristãos. Por toda a resposta, o mundo fez vista grossa mais uma vez.
Escrito por: J.Abou Elie - Libanês - Tradução: Vlademir SouzaPublicado no site em: 23/01/2006