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Com a Revolução de Abril de 1974 iniciam-se mudanças profundas na sociedade portuguesa e na relação desta com os "seus" judeus. A bertura política e a instauração da democracia e da liberdade em Portugal, vai permitir um outro olhar sobre a história e a identidade nacional. Á visão nacionalista estreita, sucede a consciência da importância das heranças árabe e judaica. Abrem-se os arquivos, surge á luz do dia a riqueza do contributo judaico, desde os primórdios da nacionalidade até ao decreto de expulsão, no sec. XV, mas, também, os horrores das conversões forçadas , a longa noite da Inquisição, as discriminações dos cristãos novos. Portugal descobre-se e ao descobrir-se encontra-se com os seus judeus. O pedido de perdão simbólico de Mário Soares, então Presidente da República, em 1989, pelas perseguições que os judeus sofreram em Portugal e a Sessão Evocativa dos 500 anos do Decreto de Expulsão dos Judeus em Portugal, em Dezembro de 1996, no parlamento português, na qual foi votada, por unanimidade, a revogação simbólica do Decreto, marcam, de facto, um virar de página no relacionamento mútuo. Cresce muitíssimo o interesse, não só dos estudiosos, mas de vastos sectores da população sobre as questões judaicas , paralelamente a um processo de identificação histórica, por parte de grupos significativos da população. Basta dizer que, no último censo, cerca de seis mil pessoas declaram-se judias, provavelmente por serem, ou se considerarem, descendentes de cristãos-novos. Este interesse reflecte-se na Comunidade, através de solicitações crescentes que vão desde os inúmeros pedidos de visitas de escolas á Sinagoga, até á organização de cursos, palestras e seminários sobre judaísmo o que, de certo modo, veio abalar a tranquilidade da Comunidade obrigando-a a abrir-se e a dar respostas para as quais nem sempre estava preparada. Mas hoje em dia já não é possível viver fechado sobre si mesmo. A comunidade judaica, como qualquer outra minoria, integra-se num corpo social, relativamente ao qual tem direitos e deveres, não apenas individualmente, mas como colectivo. É este, aliás, o sentido da nova Lei de Liberdade Religiosa, ao regular o pleno exercício da prática religiosa, não apenas dos cidadãos, mas das colectividades religiosas. Sobre a Comunidade Judaica portuguesa exercem-se, actualmente, duas forças de pressão, algo contraditórias: | |||||
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Os judeus portugueses vêm-se, assim, confrontados com presenças, que são presenças ausentes, porque pertencem ao passado, mas com as quais têm de fazer um esforço permanente de comparação, identificação e demarcação, sob risco de não conseguirem construír uma identidade própria. Na realidade, estas pressões exercem-se sobre uma comunidade em crise, sob vários aspectos. Em primeiro lugar, uma crise de sobrevivência física. A tendência para o envelhecimento que já se verificava nos anos 60, acentuou-se: em 1996, faleceram 14 pessoas e foram registados 3 nascimentos. Do ponto de vista quantitativo, a comunidade quase duplicou o número de contribuintes, relativamente há 20 anos, mas parte desses novos membros, encontram-se em Portugal temporariamente, por necessidades do mercado europeu, o que, sendo um fenómeno positivo, dá poucas garantias relativamente ao futuro. Em segundo lugar, uma crise espiritual. O lugar e a importância da religião na vida das pessoas mudou completamente. Para grande parte delas, o judaísmo deixou de ser uma forma de vida com regras rigorosas que iam desde a frequência assídua á Sinagoga, passando pelo consumo de comida casher, até ao convívio social, fora e dentro das diferentes instituições judaicas, para se transformar numa vaga relação afectiva ou de fidelidade ao passado. Deixaram de se realizar serviços religiosos diários, mantendo-se apenas os semanais do "Shabat" e das festas do calendário judaico, reduziu-se também drasticamente a pratica da "casherut" (alimentação, segundo as regras judaicas). Embora esta evolução não seja exclusiva de Portugal, verificando-se praticamente em todos os países e em todas as comunidades religiosas, na judaísmo português e particularmente no judaísmo lisboeta, faz-se sentir duramente a falta de uma verdadeira liderança espiritual e religiosa, e de uma educação judaica regular. Contrariamente a outras comunidades maiores, não é fácil, para o judaísmo português, devido em parte, á sua reduzida dimensão, encontrar em si próprio as forças da sua renovação. Mas, seja como for, essa renovação tem de se operar em diálogo permanente com a sociedade envolvente e nunca á margem dela. | |||||
(Artigo publicado na Revista História nº 15, em Junho de 1999) |
http://www.lisnagog.org/knesset/article01_c.shtml
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