SOCIEDADE
Para especialista judeu, perseguição atual é alimentada pela difusão do ódio anti-semita no mundo extremista árabe
Conflito no Oriente Médio muda face do anti-semitismo
GUSTAVO CHACRA
DA REDAÇÃO
O anti-semitismo mudou a sua face nos últimos tempos, sofrendo reflexos cada vez maiores do conflito no Oriente Médio. Para complicar, a internet difunde idéias de ódio aos judeus que antes era restritas apenas a pequenos círculos. A opinião é de David Levy-Bentolila, presidente do braço europeu da B'nai B'rith, entidade criada em 1843 com o objetivo de defender os direitos humanos e combater o anti-semitismo.
Em entrevista à Folha, Levy-Bentolila criticou também parte da imprensa porque, segundo ele, desinforma o leitor ao dar sempre destaque aos aspectos negativos de Israel e ocultar acontecimentos contrários à causa palestina. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - O crescimento do anti-semitismo registrado nos últimos meses é um reflexo da ascensão do neonazismo em países europeus ou de movimentos islâmicos?
David Levy-Bentolila - O judaísmo atravessou épocas de sofrimento que datam de mais de 2.000 anos. Hoje o que era anti-semitismo clássico está praticamente resolvido desde que o Vaticano definiu sua oposição. Mas vemos um crescimento de novos movimentos anti-semitas. Não se pode, naturalmente, isolar isso da problemática do Oriente Médio e do crescimento internacional do fundamentalismo islâmico. Tudo isso contribui para o aumento. É difícil saber onde há mais anti-semitismo e onde há menos.
Folha - Esses atos têm ligação com ações anti-sionistas? O anti-sionismo e o anti-semitismo caminham juntos?
Bentolila - Existem muitos ismos. Na realidade, o denominador comum de todos eles é destruir os judeus, estejam eles em Israel ou em outros lugares. O anti-sionismo é a forma diplomática do anti-semitismo, já diz uma citação. Às vezes se manifesta contra um indivíduo judeu, às vezes contra toda uma coletividade.
Folha - Comparar Israel com a Alemanha nazista é uma forma de anti-semitismo?
Bentolila - Sem dúvida. O contexto do Oriente Médio teve uma influência capital, e todo o processo afetou este fenômeno. Quando eclodiu a Guerra do Iraque, muitas pessoas saíram às ruas de Paris para gritar "morte aos judeus". Foram colocadas suásticas no lugar das estrelas na bandeira dos EUA. É importante falar o que se passou com a terminologia. Hoje, devido à conferência de Durban [conferência da ONU contra o racismo em 2001], várias expressões que não se imaginava que pudessem ser utilizadas, como classificar Israel como um regime de apartheid, como um ocupante, e outros adjetivos similares, passaram a ser utilizadas. Usaram esses termos apenas para Israel.
Folha - Qual a diferença entre ser pró-Palestina e ser anti-semita? Onde fica a fronteira?
Bentolila - Na realidade, não há fronteira. O que não pode é ser anti-semita. Isso é uma discriminação. Não podemos, por outro lado, impedir que a causa palestina tenha simpatias. Como todas as causas, há oposição e simpatia. Mas isso não significa que, para um viver, o outro tem de morrer.
Folha - Quando uma pessoa diz que Jerusalém Oriental deve ser a capital de um Estado palestino, ela está sendo anti-semita? Falar contra o muro que Israel está construindo é ser anti-semita?
Bentolila - Nossa oposição é claro: defendemos os direitos humanos e o direito à livre expressão. Se alguém expressa a sua opinião de uma forma nobre, temos de respeitar, que aceitar. Podemos debater, com um tentando convencer o outro. Mas tem de ser de uma forma nobre. Quando há um debate construtivo, com boas intenções, não se pode dizer que se trata de uma atitude anti-semita. Porém, quando há uma ação sistemática, como ocorre na ONU, com os Estados votando contra Israel, não se pode aceitar.
Folha - Então algumas resoluções da ONU são anti-semitas?
Bentolila - Não se pode dizer que sejam favoráveis a Israel.
Folha - Quando se pede que Israel desocupe as colinas do Golã, é anti-semitismo?
Bentolila - Não se deve confundir os processos políticos e o fenômeno do anti-semitismo. Ser anti-semita é rechaçar o outro somente pelo fato de ele ser judeu. É isso que se precisa levar em conta.
Desde um ponto de vista conceitual, anti-semitismo é um termo recente. Antes se falava do antijudaísmo, no qual havia o rechaço do indivíduo por ele ser judeu. O anti-semitismo é o rechaço do indivíduo e do grupo.
Folha - Por que está crescendo o revisionismo do Holocausto? Por que há tanta gente interessada nesse tipo de trabalho?
Bentolila - Esse não é um problema novo. Uma vez mais voltamos à problemática do conflito árabe-israelense, envolvendo os simpatizantes de um lado e os de outro. Além disso, os novos meios facilitam a difusão das idéias de qualquer um. A internet é uma arma terrível. Algumas opiniões que se pretendem científicas estavam restritas a um círculo de pessoas reduzido. Hoje em dia, com a internet, essas pessoas difundem as idéias para o mundo.
Não acredito, por outro lado, que "os líderes" do revisionismo tenham crescido, mas muitas pessoas repetem as suas idéias sem entender do que estão falando.
Folha - E no mundo árabe?
Bentolila - Tudo o que pode molestar Israel é valido para os líderes árabes [inimigos de Israel]. Por isso se utilizam todos os meios. Os "Protocolos dos Sábios do Sião" ainda são publicados e reeditados nesses países.
Folha - Há uma política para melhorar a imagem dos judeus no mundo árabe? Há poucas décadas os judeus viviam bem em Beirute, em Alexandria, em Allepo.
Bentolila - No momento em que houve uma diáspora, que os judeus que vivem nesses países tiveram de se exilar -aliás, pouco se fala dessas pessoas hoje, falam apenas dos refugiados palestinos-, as gerações passaram a se suceder.
A minha geração vivia em perfeita harmonia [com os árabes]. Sempre bem compreendida. A segunda geração, contemporânea dos meus filhos, me respeita, me conhece [como um judeu que nasceu em um pais árabe; Bentolila é marroquino]. Já a terceira não me conhece, não conhece os judeus, não teve contato. Houve uma modificação na estrutura social com a saída dos judeus. Essa geração acredita no que difundem os meios, é mais vulnerável, absorve mais uma propaganda maléfica.
Folha - Há judeus que instrumentalizam o Holocausto?
Bentolila - Esse tipo de atitude não faz parte dos valores judaicos. Muita gente fez fortuna instrumentalizando as coisas, como em Durban, quando a conferência fez aparecer as dificuldades palestinas em detrimento dos judeus.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1505200514.htm
FRASE
"O anti-sionismo é a forma diplomática do anti-semitismo, já diz uma citação. Às vezes se manifesta contra um indivíduo judeu, às vezes contra toda uma coletividade"
Classifique este Link